Um dos grandes erros que empresas e agências de publicidade podem cometer atualmente a nível de marketing, é assumir que ainda se aplicam as “regras do jogo” de há apenas uns 10 ou 15 anos atrás.
A controvérsia atual do anúncio da Pepsi – que recorreu à cara e nome bem conhecidos de Kendall Jenner, elemento da família Kardashian/Jenner – está a tornar-se (e certamente o será durante alguns tempos) um exemplo paradigmático.
Entender a polémica
A razão da controvérsia é simples de entender: no anúncio, a protagonista sai de uma sessão fotográfica e junta-se a uma marcha de protesto na rua (clara alusão aos protestos que têm sido cada vez mais frequentes nos Estados Unidos da América (EUA), particularmente os do movimento BLM – Black Lives Matter). Para além do facto de todos os envolvidos no protesto estarem aparentemente felizes e descontraídos apesar da natureza tensa e por vezes vezes até perigosa deste eventos, a protagonista pega numa Pepsi enterrada num balde com gelo que por acaso ali se encontra, dirige-se a um dos polícias na linha que enfrentava a marcha, e entrega-lhe a lata.
O resto é fácil de adivinhar; o polícia (que aparentemente nunca teria provado Pepsi na vida) fica deliciado/surpreendido, sorri para o seu colega e, por algum motivo, a multidão irrompe em gritos vitoriosos e sorrisos de felicidade, como se não houvesse mais a necessidade protestar e mostrando assim que, todo este tempo, teria bastado aos protestantes que lutam pela sua segurança e pelas suas vidas terem oferecido uma Pepsi às forças da autoridade.
Mas vá, sarcasmo e cinismo à parte, é fácil de entender porque é que a esmagadora maioria das pessoas que já visualizou ou ouviu falar no anúncio, e o acha de extremo mau-gosto e insensibilidade face aos problemas muito reais que se têm vivido nos EUA. No fundo estamos a falar de uma apropriação insensível, de uma marca a capitalizar os esforços e luta de milhares de pessoas pelos seus direitos, pela sua segurança, por um mundo em que privilégios e racismo são reconhecidos como ainda existentes e problemáticos e algo que é necessário melhorar.
Marketing – antes e agora
Como é que isto se relaciona com as “regras do jogo” do marketing?
Bem, há uns anos atrás, a frase “qualquer notícia é boa notícia” ou “toda a atenção é bem-vinda” teriam sido talvez válidas e aplicáveis aos consumidores e a sua forma de consumo. Na era da massificação da informação, das redes sociais e dos social influencers com milhares ou milhões de seguidores com ouvidos e olhos atentos? Ups.
Como seria de esperar, o backlash foi imediato e intenso. Os gritos de indignamento foram imediatos, e sugestões de boicotar a marca (e até subsidiárias da marca) não demoraram também muito a aparecer. Memes são criados quase instantaneamente e, no prazo de poucas horas, a imagem da marca ficou danificada de forma [talvez] irreparável.
Já não vivemos num mundo em que – pelo menos para uma marca já mundialmente conhecida – o simples falar sobre a marca é uma vantagem. Está toda a gente a falar da Pepsi? Sem dúvida.
Este buzz irá traduzir-se em vendas? Muito pouco provável. A percepção cultural da marca está, neste momento, bastante negativa. Talvez para uma pequena marca/produto ainda faça algum sentido falar em vantagem de exposição numa situação controversa, mas para um gigante como a Pepsi já não.
Vivemos numa era e num mundo de capital cultural. Se as pessoas “erradas” (ou certas, dependendo do ponto de vista), decidirem por alguma razão que um certo produto ou marca é “mau” e deixarem de o promover, ou até mesmo decidirem anunciar publicamente o seu desagrado, uma marca pode ser irreparavelmente danificada. Mesmo tendo prontamente admitido e erro e retirado o vídeo de circulação (que, sendo a internet como é, obviamente irá viver para sempre em cópias publicadas em todo o tipo de contas e redes sociais), e efetuado um pedido de desculpa, o mal já está feito.
Não é sequer uma hipérbole afirmar que muito provavelmente a Pepsi irá ser associada com esta polémica para sempre, porque como bem sabemos, a Internet não esquece. Ainda que, obviamente, o tempo vá diluindo estas questões na mente dos consumidores – ou pelo menos tem sido assim até agora -, a questão é precisamente de que o status quo está a mudar.
Os consumidores já não são o que eram
Os consumidores, em particular os mais jovens, que tantas vezes são criticados de ociosidade e desinteresse, estão cada vez mais dispostos a tomar decisões com base nas suas bússolas éticas, e o conceito de lealdade à marca, quer se goste quer não, vai-se tornando a cada dia um pouco mais obsoleto.
Obviamente não se aplicará a toda a gente, mas uma percentagem significativa das pessoas acordadas para a realidade e injustiças sociais que vivemos (considerando em particular a população dos EUA) irá pensar duas vezes antes de comprar uma Pepsi, ao lembrar-se da forma como tentaram capitalizar uma iconografia que não lhes pertence e que simbolizza o sangue, suor e luta de pessoas que querem apenas lutar pelos seus direitos.
Mesmo as pessoas que não se importem necessariamente com esta polémica e se foi correto ou de bom gosto ou não, poderão pensar duas vezes antes de adquirirem o produto para uma festa ou evento, pois correrão o risco de alguém com influência na Internet se aperceber deste facto e os criticar publicamente por “apoiarem a marca ao comprar os seus produtos”, e poderão assim sofrer represálias também a nível de imagem.
O principal facto a entender é que são outros tempos (passe o clichê). Quem quer fazer [bom] marketing tem de estar ciente disto e entender verdadeiramente as implicações da era da internet, e redes sociais, e influencers, e atuar com a consciência de que, hoje em dia, um dos bens mais preciosos para uma marca é o seu capital cultural, e que isso pode (passe a hipérbole) fazê-la ou destruí-la.
Diana Cavadas
Redes Sociais
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